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SEGUNDA OPORTUNIDADE APÓS A ANUNCIADA REFORMA DA FALÊNCIA: OPORTUNIDADE, MAS MENOS

Em 14 de janeiro de 2022, foi publicado no Jornal Oficial do Parlamento espanhol o projeto de reforma da Lei da Insolvência, cujo principal objetivo é a transposição da Diretiva (UE) 2019/1023 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 20 de junho de 2019, relativa à reestruturação e à insolvência, e que, a ser aprovada nos termos estabelecidos no seu texto, significará um volte-face para o procedimento de "Segunda Oportunidade", justamente quando é previsível que os processos de insolvência aumentem no termo da última moratória de insolvência acordada em dezembro de 2021.

A "segunda oportunidade" é o mecanismo que existe no processo de falência para que as pessoas singulares e os trabalhadores independentes possam eliminar, sob certas condições, a totalidade ou parte das dívidas que geraram e que, devido a uma má situação económica provocada por um endividamento excessivo, não conseguem pagar.

Este recurso foi introduzido com a Lei n.º 25/2015, de 28 de julho, relativa ao mecanismo de segunda oportunidade, redução dos encargos financeiros e outras medidas sociais, com o objetivo de prolongar os efeitos da recuperação económica após a crise de 2008, de modo a que, segundo a sua exposição de motivos, "uma pessoa singular, apesar de um insucesso económico empresarial ou pessoal, tenha a possibilidade de retomar a sua vida e até arriscar novas iniciativas, sem ter de arrastar indefinidamente um ónus de dívida que nunca poderá satisfazer" .

Pretendeu-se, assim, modular o rigor de um dos princípios basilares do nosso ordenamento jurídico, contido no artigo 1911.º do Código Civil, segundo o qual o devedor, pessoa singular, responde pelas suas obrigações com todos os seus bens presentes e futuros, aproximando-o da responsabilidade limitada de que gozam os sócios das sociedades relativamente ao capital realizado; Isto é conseguido não só através do reconhecimento de acordos entre credores e devedor em que se acordam reduções de dívida e adiamentos de pagamento, mas também, no caso de tal não ser possível e de todo o património do devedor ter sido liquidado, é permitida a "remissão" do que é devido, o que passou a ser conhecido, do ponto de vista técnico-jurídico, como exoneração do passivo não satisfeito, verdadeiro fundamento da segunda oportunidade.

Para que este mecanismo seja aplicado, devem estar reunidas duas condições: o devedor deve ter agido de boa fé e o seu património deve ter sido previamente liquidado. A boa-fé significa que o credor não foi declarado "culpado" no processo de insolvência, entendendo-se esta como existente quando o devedor atrasa o pedido de processo de insolvência em prejuízo dos seus credores, ou quando o devedor tem condenações anteriores em sentença transitada em julgado por crimes contra o património, contra a ordem socioeconómica, de falsidade documental, contra a Fazenda Pública e a Segurança Social e contra os direitos dos trabalhadores nos dez anos anteriores à declaração de insolvência. Por outro lado, o devedor deve colocar os seus bens à disposição dos credores para que estes procedam à sua liquidação através da sua venda e paguem aos credores com o produto obtido, conforme o caso.

Com estas duas condições básicas, uma vez determinada a impossibilidade de cobrir as dívidas com o património realizado, o juiz pode conceder a exoneração do passivo não satisfeito, dando lugar ao encerramento do processo de insolvência, para que o devedor possa obter a sua recuperação e reintegração na vida económica.

Ora, até à entrada em vigor do Texto Consolidado da Lei da Insolvência, aprovado pelo Decreto Legislativo Real n.º 1/2020, de 5 de maio, esta "tábua rasa", que implica a exoneração do passivo não satisfeito, afectava também os créditos públicos, ou seja, as dívidas que o insolvente possa ter para com a Fazenda Pública ou para com a Tesouraria Geral da Segurança Social, as dívidas que o insolvente possa ter à Fazenda Pública ou à Tesouraria Geral da Segurança Social, e isto por aplicação de um critério do Supremo Tribunal de Justiça (Acórdão n.º 381/2019, de 2 de julho) que estendeu a exoneração a este tipo de créditos; No entanto, o Texto Consolidado da Lei da Insolvência, ultrapassando o mandato conferido para a reformulação, excluiu este tipo de crédito da exoneração.

É verdade que, durante os meses que se seguiram à entrada em vigor deste regulamento, os tribunais encarregados de tratar dos processos de insolvência aplicaram maioritariamente a interpretação dada pelo Supremo Tribunal; No entanto, a nova reforma da Lei da Insolvência, cujo projeto foi publicado no passado mês de janeiro, embora permita o recurso a este mecanismo sem necessidade de liquidação total do património do devedor, reconhece explicitamente os limites da exoneração a uma determinada tipologia de dívidas, entre as quais as de direito público, bem como as dívidas de alimentos ou as dívidas derivadas de infracções penais ou de responsabilidade extracontratual.

Infelizmente, esta limitação irá realmente impedir a reintegração na vida económica das pessoas singulares e dos empresários em nome individual, tendo em conta que, durante este período de pandemia, a maior parte das dívidas derivará muito provavelmente de prestações e diferimentos de contribuições fiscais ou para a Segurança Social que não puderam ser pagas devido à falta de liquidez face aos encerramentos e reduções da atividade empresarial como medida adoptada pela COVID-19 para travar a pandemia, bem como à impossibilidade de reembolsar os créditos COVID-19 ICO.

Para além desta blindagem do crédito público, será exigido não só que o falido não tenha antecedentes criminais por crimes económicos, mas também que não tenha sido sancionado por infracções fiscais, de segurança social ou de ordem social nos dez anos anteriores ao pedido de exoneração, tornando assim mais difícil a concessão da exoneração.

Por isso, se a reforma da insolvência for aprovada nos termos constantes da proposta de lei, não atenderá à razão que dá sentido à segunda oportunidade; dificilmente se conseguirá resgatar da morte económica os devedores que se vêem privados da possibilidade de exonerar as dívidas contraídas com o erário, tornando o sistema menos eficiente, e condenando-os, uma vez mais, a recorrer à economia paralela para minorar as consequências dessa morte.

Hortensio Santos (Advogado T&L)